Memórias afetivas: quando mais vale um filme repetido na mão do que dois inéditos voando

Cinema é arte. Convencionada como a sétima, mas a primeira no coração de muitos. 

Já virou lugar comum dizer que o usuário do Netflix gasta mais tempo escolhendo qual filme assistir do que vendo-o propriamente. Eu também sofro disso. Pensando em otimizar o negócio, passei a acrescentar os filmes que eu quero ver adicionando-os à Minha Lista, opção disponível na própria plataforma. Mas já tem tantos filmes por lá que a dificuldade da escolha está dando na mesma!

Na dúvida do que assistir ou no medo de fazer uma má escolha, um repeteco pode ser uma boa opção, Porque tem dias que a gente quer que seja sem erro, até na sessão de cinema. Não é todo mundo que curte assistir o mesmo filme mais de uma vez, mesmo tendo gostado da primeira. Definitivamente eu não faço parte desse time.

Nos meus tempos de infância a tevê aberta dava uma força e tanto para se assistir o mesmo filme mais de uma vez, cortesia da pobreza do catálogo e do mesmo argumento de que existem filmes (ou produtos, na linguagem televisiva) que não tem engano. É o que permite que o Chaves esteja no ar há décadas. Simplesmente funciona. Tem coisa mais repeteco que Sessão da Tarde? Eu me lembro que houve uma época, isso no SBT, que praticamente só passava dois filmes à noite: ou era o O Homem da Máscara de Ferro ou O Búfalo Branco. Só dava eles. Depois o Sr. Sílvio Santos conseguiu fazer algo que era um repeteco institucional e desavergonhado: o filme rodava, e quando terminava começava de novo! Sério. Eu não me lembro o nome da sessão, a desculpa do dono do SBT era de que a pessoa chegava do trabalho e não tinha tempo de ver o filme. Por isso ele passava duas vezes! 

Quando surgiu o videocassete, eu e mamãe demos para gravar os filmes ou programas que gostávamos. E achávamos simplesmente incrível. Não era preciso mais ficar esperando ansiosa a Globo retransmitir pela milionésima vez Superman, porque eu iria gravar e assistir no dia e hora que eu quisesse. Era revolucionário. Gravávamos séries, filmes, tínhamos pilhas de fitinhas. Algo difícil de entender para a geração You Tube de hoje!

E da invenção do videocassete nasceu as vídeo-locadoras. E ir na sexta-feira na vídeo-locadora pegar filmes para o final de semana era um passatempo que nós adorávamos. Não raro íamos todos juntos. Alugamos muitos filmes, tantos, que não foi difícil o catálogo de todas as locadoras do bairro começar a parecer pouco para nós. O que fazer? Repeteco!

Meu pai é um repetidor profissional. Ele tinha o hábito de anotar todos os filmes que assistia num caderno e colocava a classificação (pessoalíssima) ao lado. Às vezes ele usava essas anotações para escolher um filme para rever. Ou ficava horas na vídeo-locadora a fim de algo inédito para voltar todo serelepe com um filme repetido. Nem sempre o replay era intencional, ocorria dele simplesmente esquecer que já tinha assistido. Isso ele faz até hoje com frequência.

As vídeo-locadoras morreram em sua maioria (aqui no meu bairro só tem uma sobrevivente) pelos motivos que todos nós estamos carequinhas de saber. Comprar DVD's nunca foi tão fácil, e qualquer um hoje pode ter uma videoteca de filmes originais, para ver e rever quantas vezes quiser. Existe uma loja na Florêncio de Abreu, no centrão de São Paulo, que gosto de frequentar. Tem um catálogo enorme de filmes baratinhos, e mais um tantão de filmes clássicos e de todos os outros gêneros, ideal para quem quer montar ou abastecer sua videoteca com longas originais.

Quais são os seus repetecos? Eu tenho os meus. Praticamente todos envolvem a memória afetiva, então essa não é uma postagem crítica sobre clássicos do cinema e tesouros escondidos que você como bom amante de cinema não pode perder. Alguns deles até permanecem em alta na história do cinema, mas essa conversa não tem a ver com isso. Tem a ver com com filmes que disparam lembranças e momentos inesquecíveis. Tem a ver com filmes com aquele ator ou atriz que você adora, tem a ver com  conseguir rir ou se emocionar vendo a mesma cena pela milionésima vez. Tem a ver  com a paixão por um bom filme. Nem que ele pareça bom apenas para você.

Por gênero, alguns filmes em que já apertei muito o play.

AVENTURA

Trilogia Indiana Jones


O quarto filme não foi brilhante, mas matou um pouco das lombrigas dos fãs de rever o herói no cinema e foi confirmado uma quinta aventura para 2019. Esteja vivo, Harrison! 

O segundo filme, Indiana Jones e o Templo de Perdição, seguramente sei de cor todas as falas. Mas os outros dois também já foram bastante rodados, e o terceiro tem o Sean Connery, que é uma cereja deliciosa nesse bolo gostoso que o Steven Spielberg produziu nesses três longas de aventura atemporais. Assisti-lo ao lado do meu pai é para mim ainda um programão. E a trilha sonora, minha gente? Não precisa dizer mais nada.

Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the last Ark). 1981. Direção Steven Spielberg.
Indiana Jones e o Templo da Perdição, (Indiana Jones and the temple of doom). 1984. Direção Steven Spielberg.
Indiana Jones e a Última Cruzada. (Indiana Jones and the last cruzade). 1989. Direção Steven Spielberg.

Superman




Filme de super herói nos dias atuais é o que mais tem dado (muita) grana para os estúdios e esse cara aí de capa vermelha é uns principais símbolos americanos do gênero. Não devia ser fácil vestir esse uniforme sem parecer um boboca, mas Christopher Reeve conseguiu fazer esse feito em 1975, e até hoje, é, disparadíssimo, o melhor Superman que o cinema já ganhou. Acompanhado de gente de peso da época, como Gene Hackman e Marlon Brando, o azulão de Richard Donner fez história. E passou muito, mas muito mesmo, na Sessão da Tarde! E eu assisti todas as vezes, obsessiva e apaixonadamente. Faltava na escola se preciso fosse. Está a anos luz de diferença do que é realizado hoje em termos de super herói, soa bobinho e inocente, mas não perdeu seu charme. E de novo, uma trilha sonora matadora com uma abertura de arrepiar.

Rendeu mais três filmes. Os dois últimos são vergonhosos. O segundo, dirigido por Richard Lester, divide opiniões, mas eu também gosto bastante, principalmente pelo romance (ou a falta dele!) com a Lois Lane, interpretada por Margot Kidder, hoje com 67 anos, e que teve um destino tão ou quase melancólico que Reeve, que morreu tetraplégico. A intérprete da namorada do homem de aço sofreu de transtorno bipolar, fez um monte de filmes B e nunca mais emplacou outro sucesso. Mas graças a magia do cinema, mantém-se imortal voando ao lado do Superman inesquecível de Chistopher Reeve.

Superman, o filme (Superman). 1975. Direção Richard Donner. 

AÇÃO

Trilogia Nicolas Cage anos 90





Quem vê os filmes que o Nicolas Cage anda fazendo nos últimos anos custa a acreditar que ele já fez filmes bacanas e que tem até um Oscar! Já fui fãzona do cara, mas de uns tempos para cá anda impossível acompanhar tanta bobagem, uma atrás da outra, nas quais ele anda se enfiando. Vergonha alheia total. Muda de agente, Cage!

Mas no baú do ator dá para encontrar muita coisa boa, e esses três filmes de ação remetem à sua fase mais divertida, e aos tempos em que eu e minha irmã (outra ex-fã confessa) não perdíamos um só filme do ator. 

Para deixar de lado os recentes abacaxis e embarcar em repetecos de qualidade com o ator, esses três filmes dos anos 90 são ótima pedida.

A Rocha (The Rock). 1995. Direção Michael Bay

Michael Bay apostou na cara de cachorro perdido de Cage para colocá-lo no papel do anti-herói  que entra na roubada de ter que invadir a desativada prisão de Alcatraz tomada por bandidaços de posses de perigosas bombas que ameaçam acabar com São Francisco (tá bom, eu sei que você já ouviu essa história antes). Ele faz um especialista em armas químicas e tem a companhia de um ex-prisioneiro de Alcatraz que conhece todos os segredos da famosa prisão, vivido por Sean Connery Sean, de novo, sofisticando o negócio.  

Con Air - A Rota da Fuga (Con Air).  1997. Direção Simon West.

Aqui Cage é um prisioneiro boa-praça em liberdade condicional com um corte de cabelo duvidoso viajando em um avião que transporta um monte de bandidões barra pesada, O avião é sequestrado pela turma e sobra quem para tentar se safar? Nicolas, claro, exibindo músculos que nunca mais foram vistos. Dois John (Malkovich e Cusack) estão no meio da história e a participação do Steve Buscemi é hilária.

A Outra Face - (Face/Off). 1997. Direção John Woo

Nicolas Cage em dose dupla numa mistura de ação com ficção científica que fez muito sucesso na época e ainda faz bonito numa lista de melhores filmes de ação. Sua parceria com John Travolta deu muito certo, o filme é super ágil, com cenas altamente improváveis (e quem liga para isso, né?) e dirigido por John Woo, diretor de respeito.

COMÉDIA

Curtindo a vida adoidado 



Eu era uma criança quando assisti Curtindo a vida adoidado pela primeira vez. Era estréia na Tela Quente da Globo! Deve ter sido em 1987 ou 88, então possivelmente eu tinha uns seis, sete anos. Estava muito longe ainda do universo adolescente retratado nesse que se tornou um clássico e um dos melhores filmes de John Hughes, cineasta que ficou imortalizado pela sua sensibilidade de perceber a juventude e fez um penca de filmes legais. E mesmo assim não deixei de ficar encantada, e ficaria muito mais outras vezes, todas as vezes, em que esse filme  delicioso foi reprisado na Sessão da Tarde.

Garoto esperto resolve matar um dia de aula na escola para passar o dia com a namorada e o melhor amigo. Simplesmente isso. O suficiente para render um longa divertidíssimo, atemporal, inesquecível. Daqueles que é difícil adjetivar sem rolar um clichê.

Vai completar 30 anos da estréia nos Estados Unidos nesse mês de junho e já tem até festa programada, com direito a visita ao quarto recriado do Ferris, e a alguns locais que serviram de locação para o filme, como o Instituto de Arte de Chicago (naquela cena sensacional com o quadro de Seurat) e a rua Dearbom Street, palco onde Ferris faz a dublagem daquela música que "você sabe muito bem qual é".

Não tem como ver uma Ferrari sem lembrar dele.

Salve Ferris.

Curtindo a vida adoidado (Ferris Bueller's Day Off). 1986. Direção John Hughes.

COMÉDIAS ROMÂNTICAS E/OU ROMANCES

Razão e Sensibilidade 


Disparado o gênero mais reprisado da minha telinha: comédias românticas ou romances, principalmente as primeiras, por serem gostosas, leves, e terem mais diversão e menos chororô. Razão e Sensibilidade é uma delas, e ainda é de época e baseada na obra de Jane Eyre, que entendeu muito bem as mulheres de seu tempo. Kate Winslet e Emma Thompson fizeram duas irmãs que deram tão certo que se existisse Oscar de Melhor Parentesco elas teriam levado. 

Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility) 1995. Direção Ang Lee

Mensagem para você



As palavras Meg Ryan e comédia romântica já andaram juntas durante muito tempo. Em Mensagem para você, ela e Tom Hanks repetem a dose de Sintonia de Amor e fazem dois empresários do ramo de livraria, que são inimigos no negócio, e não sabem que são cara-metade no amor. Pode estar meio datadinho nos dias de hoje com os dois trocando e-mails no tempo da internet discada (isso que já é uma adaptação de um outro filme onde o original eram cartas) mas ainda é charmosinho. E o Tom Hanks é tom tom legal... Vi com minha irmã no cinema e outras cem vezes em casa ao lado dela. 

Não digam que eu não avisei que a postagem era sobre memória afetiva.

Mensagem para você (You've got Mail). 1999. Direção Nora Ephron

Outros suspiros bastante reprisados:

O Casamento do Meu melhor amigo
Um lugar chamado Notting Hill
Simplesmente Amor
Adoráveis Mulheres
Vicky Cristina Barcelona


MUSICAL

A Noviça Rebelde



Musical é um gênero meio ame-ou-odeie. Tem que gostar mesmo para aceitar duas ou mais horas com um monte de gente que adora parar qualquer coisa que esteja fazendo para começar a cantar. Eu super aguento! Acho um gênero encantador e o cinema está repleto de exemplos para corroborar a afirmativa.

E em matéria de encanto musical, poucas cenas na história do cinema são mais belas do que a Fraulein Maria de Julie Andrews rodopiando nas montanhas de Salszburg, com aquele céu e aquela grama que dá vontade de estar lá para pisar nela. Das coisas que o cinema faz pela gente.

Rodado em 1965, chegou aos cinquentão permanecendo como uma das principais e mais famosas referências do gênero e suas músicas continuam fresquinhas na memória dos fãs de várias gerações, como eu, que nem sonhava em nascer na época de seu lançamento,

A Noviça Rebelde (The Sound of Music). 1965. Direção Robert Wise

TERROR

A Hora do Pesadelo



Um vilão que  consegue invadir aquilo que a gente tem de mais secreto, os nossos sonhos, é algo bastante aterrorizante, e eu não estava preparada para a genialidade dessa ideia quando  assisti A Hora do Pesadelo pela primeira vez, uma criança de seis anos (é, parece que a classificação indicativa não rolava lá em casa). Passei a noite petrificada! Mesmo assim, e com certo espírito masoquista depois, conferi muitas outras vezes. 

Apesar do personagem ter ganhado várias sequências ridículas, com exceção de O Novo Pesadelo - O Retorno de Freddy Krueger, em que o próprio Wes Craven e atores do longa original aparecem fazendo papel deles mesmos (numa prova do quanto o Wes tinha carinho pelo seu personagem), o primeiro filme continua uma ótima experiência de terror.

Em tempo: minha irmã, sádica, cantava a musiquinha do Freddy para me assustar. 

A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street). 1986. Direção Wes Craven.

Outros medos repisados porque gosto de sofrer:

A Profecia (The Omen). 1976. Direção Richard Donner. Nem queira perder tempo com a refilmagem. Para ficar sem dormir mesmo, só no original do Richard Donner. Para mim, os segundos finais mais arrepiantes de todos os tempos. 

Louca Obsessão (Misery) 1990. Direção Rob Reiner.  É mais suspense que terror. Kathy Bates levou um Oscar para casa pela sua interpretação da fã número 1 que "resgata" o escritor vivido por James Caan de um acidente de carro. Eu sei que O Iluminado do Kubrick é sensacional, se for para ficar em matéria de adaptação do Stephen King, mas eu tenho mais carinho, digamos assim, por Misery. Coisa de fã, com o perdão do trocadilho.


DRAMA

Forrest Gump



Outro que assisti no cinema, acompanhada de duas pessoas especialíssimas na minha vida . Uma amiga minha assistiu em casa, por ocasião do lançamento em vídeo. Quer dizer, não assistiu. Achou tão ruim que não aguentou ver  todo, e ficou ho-rro-ri-za-da quando eu disparei que era um dos meus filmes prediletos. Vinte anos depois, ela assistiu. Inteiro. E gostou  muito. Tem a ver com o tempo e com a mudança do nosso olhar. Isso vale para filmes, livro e todo tipo de arte.

Talvez a história de um cara sentado no banco contando suas histórias de vida pode não parecer mesmo muito empolgante. Mas quando esse cara é um Tom Hanks em uma atuação brilhante, dirigido por um Robert Zemeckis inspirado, a gente fica naquele banco de praça o tempo que for preciso.

E mais um caso de trilha sonora incrível.

Também lembrado como o primeiro (e único) filme que eu chorei no cinema. 

Forrest Gump, O contador de Histórias (Forrest Gump). 1995. Direção Robert Zemeckis.

Mais drama: Um sonho de liberdade (The Shawshank Redemption) 1994. Direção Frank Darabont. Outra adaptação de King maravilhosa. É triste, é doído, é inesquecível. Morgan Freeman ganhou meu coração para sempre depois desse filme.


ÉPICO



Dos filmes que a gente herda dos pais. Ben-Hur manteve-se recordista de indicações ao Oscar durante muito tempo, até ficar empatado com Titanic e suas 11 estatuetas e tem um monte de cenas fincadas na história do cinema, principalmente aquela da corrida de bigas. Assisti em várias fases da vida. Décadas depois, o gênero épico ganhou força no cinema, e o Gladiador. do Ridley Scott  não fez feio, tornando a comparação quase inevitável. Ben-Hur está com uma refilmagem saindo do forno para estrear esse ano (a quarta, porque já houve uma em 1907 e 1926). Mas quer um conselho? Pega a versão de 1959 e vai ser feliz com o Charlton Heston, porque não tem para ninguém, Cinemão de primeira.

Ben-Hur (Ben-Hur) . 1959. Direção William Wyler

ARRASA-QUARTEIRÃO



Titanic

Se a expressão arrasa-quarteirão já não existisse em 1998, Titanic certamente a teria inaugurado. E por isso eu tive que colocar esse filme nessa categoria à parte. Muitos filmes depois  dele fizeram sucesso estrondoso de bilheteria, mas sinceramente, eu não me lembro de nada parecido com o que foi Titanic no cinema. Pelo menos nos anos 90. Porque cada década tem o seu. Acho que em muito se deve ao fato de que naquela época a Internet por aqui ainda engatinhava, e as notícias sobre os filmes não tinham esse poder de fogo que se alastra pelas redes sociais, para o bem ou para o mal. Era no boca a boca. E foi um boca a boca daqueles.

A música da Celine Dion enjoou, eu sei. Eu mesma não aguento ouvir. Mas o casal Rose-Jack vividos pela Kate e pelo Leo fez história. Felizmente nenhum dos dois, ao contrário do navio do título, afundou na carreira depois. Kate já era um talento, Leo amargou durante um bom tempo o estigma de galã bonitinho, mas nada que muitos Scorcese depois e um ataque de urso não resolvesse. 

Titanic fez muita grana, Ajudei a engordar os cofres indo assistir duas vezes no cinema, na segunda para levar meu pai. Pelo menos foi a desculpa.

Eu nunca mais assisti um filme onde desse para realmente ouvir o som das pessoas fungando. Porque vocês sabem, cabia muito bem os dois naquela porta.

Titanic (Titanic). 1998. Direção James Cameron

E tem muito mais repetecos de onde vieram esses, de todos os gêneros. E dá-lhe Sessão da (minha) Tarde!

Por debaixo dos panos: Magritte

O que é surreal para você?

sur·re·al 
(francês surréel)
adjetivo de dois gêneros
1. Que apresenta características próprias do surrealismo. = SURREALISTA
2. Que causa ou denota estranhezanão pertencendo à esfera do real. = ABSURDOBIZARROESTRANHO
substantivo masculino
3. Aquilo que está para além do real.


"surreal", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/surreal [consultado em 30-04-2016].


Para além do real. Essa é uma das definições do que seria surreal. Em matéria de transporte para outra realidade, os artistas surrealistas nos deixaram um belo legado e imagens de dar nó na cabeça. Pois René Magritte, em sua série de quatro pinturas em que os personagens estão com os rostos encobertos, deixou um nó que a gente adora tentar desatar.

Vamos observá-las.
Os Amantes (Les Amantes), 1928. Fonte da imagem: Nattional Gallery, Australia

Os Amantes (Les Amants), 1928. Fonte da imagem: MOMA





A invenção da vida (L'Invention de la vie), 1928 .Fonte da Imagem: http://totallyhistory.com/rene-magritte-paintings/





A história central (L'histoire centrale), 1928. Fonte da Imagem: http://totallyhistory.com/rene-magritte-paintings/

Ficou com vontade de arrancar os panos que cobrem esses rostos? É, eu também. Essa mão que vai ao pescoço em " A História Central" só aumenta ainda mais a minha agonia!

Essas quatro obras foram pintadas no mesmo ano, 1928. Existem algumas explicações para sua origem. Uma delas remonta à morte da mãe da Magritte por afogamento. Ele tinha 14 anos e teria presenciado o resgate dela, encontrada com a camisola cobrindo o rosto. Outra possível conexão é o interesse do pintor pelo personagem "Fantômas", um herói de uma série de suspense que nunca mostra o rosto. 

São histórias que mexem com o nosso imaginário, mas o próprio Magritte não dá muita corda a elas quando diz que suas "pinturas não escondem nada" (fonte: MoMa).

Origens à parte, um dos motivos que torna uma obra de arte especial é sua capacidade de dialogar com o tempo. Essas quatro significativas obras do pintor surrealista foram pintadas a quase 100 anos e podem nos dizer muito para os dias de hoje. As pistas são inúmeras. Particularmente gosto de pensar na ideia de incomunicabilidade. É a sensação que o conjunto das quatro obras me trazem. Em tempos que vivemos o auge da comunicação através das novas tecnologias, dialogar sobre a efetividade dessa comunicação me parece super atual. 

Em os "Amantes" (e são duas as obras com o mesmo nome) essa incomunicabilidade se faz mais presente. Temos um beijo ou um não-beijo? "Isso não é um beijo", poderia ser o subtítulo da obra, em referência direta ao famoso cachimbo de sua obra mais famosa, "A Traição da Imagem".

Mas essa é só uma das pistas. O que você sente quando olha para essas imagens? Quais são as primeiras palavras que lhe vêem a mente para defini-las?

Dessa sua conversa particular com a arte é que irão surgir inúmeras interpretações. É uma viagem deliciosa, que eu recomendo muito. Recomendo sempre.

Saiba mais sobre o Surrealismo aqui.

No Pinterest dá para se divertir bastante conferindo outras obras do nosso amigo surrealista. Corre lá!





Inhotim: uma experiência

"Nada no mundo se compara a Inhotim". Era essa a frase que estampava meu guia de viagem, e foi com uma expectativa desse tamanho, uma graduação em Artes em curso e minha empolgação natural para o novo que eu fui visitar o Instituto Inhotim, que fica na cidade de Brumadinho, Minas Gerais. Ser em Minas já de cara é um diferencial, pois, minha gente, eu amo Minas.

Agora nesse mês de março de 2016 completou um ano dessa visita e  até hoje ela reverbera em mim. Em imagens, em cores, em sensações. `Porque Inhotim é pura sensação. É o prazer estético em alta potência. Se nada no mundo se compara a Inhotim? Bem, eu não tenho gabarito para confirmar tal afirmativa, pois, veja lá, não sou uma garota internacionalmente viajada, afora nos sonhos. Mas garanto que não decepciona. Nem um pouquinho. E saí de lá com um gosto de quero (muito) mais. Primeiro porque não dá mesmo para conferir e sentir o lugar todo em um único dia. Talvez nem em dois. Talvez nem em vários. E segundo porque não tem como não levar para casa, para si, algumas indagações e diálogos que o espaço propõe. Voltei pensando arte contemporânea de uma outra maneira . E isso me fez super bem. 

Você deve estar pensando: preciso entender de arte para curtir o espaço? Te digo não. Não precisa. É claro que se você estiver munido de algumas informações, se você já tiver algum conhecimento prévio sobre alguns artistas e/ou sobre arte contemporânea  e sobre o próprio conceito do espaço, você só terá a ganhar com isso. Quando digo que você não precisa entender de arte não estou dizendo que o conhecimento não é importante. Estou dizendo que a falta de referenciais não será um empecilho, em absoluto, para a diversão de seus sentidos. O lance é se permitir.

E tem muito espaço para isso. O Instituto Inhotim é o um grande centro de arte em céu aberto, todo cercado por lagos e jardins belíssimos. É uma mistura de centro de exposição de arte, parque e paisagismo. Seu conceito é brilhante. Algumas obras foram concebidas através de site-especific, no qual o artista cria no e para o Inhotim, em diálogo total com a curadoria do espaço.  

Ano  passado atingiu a marca de dois milhões de visitantes para conferir as obras e galerias de mais de oitenta artistas, de diversas nacionalidades. E é no Brasil! Em Minas! Quer mais motivos para sair  correndo e ir para lá?

Nem dá para enumerar as obras que mais me impactaram. Até porque tenho certeza que não vi todas. Mas posso dizer que foi um prazer enorme as galerias de Adriana Varejão, Hélio Oiticica, Cildo Meireles, isso para ficar nos exemplos brasileiros. 

Mas vale citar "Lama Lâmina", espanto visual de Mathew Barney, como um bom exemplo do que é estar em Inhotim e da explosão de sensações que o espaço provoca.

As imagens são do dia de minha visita. Dentro das galerias, no geral, não é permitido fotografar. Então lembre de registrar tudo dentro de si. Para todas informações sobre localização, preços, como ir, onde ficar, vá direto no site do Instituto, que lá tem tudo. Vale muito consultar comunidades como o TripAdvisor e similares para pegar dicas de viajantes. Minha recomendação principal é: use o carrinho que te leva para as instalações mais distantes. Vale muito a pena. O Instituto é muito grande, se você tiver dois dias para usufruir o espaço, melhor ainda.

Instituto Inhotim
http://www.inhotim.org.br/
Rua B, 20 - Brumadinho/Minas Gerais
(31) 3571-9700











PARA VER E OUVIR - WALK THE LINE

Eu adoro quando um filme ultrapassa a tela do cinema e se torna híbrido para nós. Tem a ver com as relações e conexões que já estão naturalmente postas (como um filme que se originou de um livro e vice-versa) ou as que nós mesmos iremos fazer. 

Eu assisti "Walk the Line", que saiu por aqui como "Johnny e June", no ano de seu lançamento, em 2005. Achei bacana , mas não foi aquele filme que ficou muito em mim depois, sabe como é? Tem filmes que fica na gente por uma variedade enorme de fatores. 

Mas aí em uma visita a uma loja de DVD'S (pode acreditar, existe uma loja desse tipo ainda) no Centro Velho de SP, que vende muitos DVD'S de todos os tipos de gêneros e a preços adoráveis, dei de cara com "Walk the Line" em edição dupla com luva e baratinho, baratinho. Levei.

Sinceramente, eu sabia que ele foi um dos grandes nomes da música americana, daqueles que vem para criar um antes e um depois deles, mas não tinha nada de Cash ou de June Carter tocando em nossos players até agora. 

Assisti de novo, dessa vez com meu marido, e a experiência já foi outra. Incorporamos Johnny Cash ao nosso repertório musical, correndo atrás das canções de Johnny, June Carter e de ambos. Vimos vídeos da época. Fui atrás até de Anita Carter, irmã de June e com fama de melhor voz.

O filme é muito bem interpretado por Joaquim Phoenix (gosto muito dele, ainda bem que aquele negócio dele virar rapper foi só brincadeira para um filme) e de Reese Whiterspoon, que inclusive levou aquela estatueta dourada famosa pela atuação no longa. Eles cantam com a própria voz. Para nós dois, virgens de Cash e Carter, não foi nenhum problema. Para um fã talvez possa incomodar, eu não sei. Mas acho que o ator cantar com a própria voz impõe uma verdade maior à atuação dele. E não deve ser nada fácil.

O filme não só apresenta a vida de Johnny Cash e de como ela se uniu a de June, que foi uma peça fundamental para sua vida e carreira, como também vai apresentando toda a efervescência musical daquela época, que viu nascer nomes como Elvis Presley e Jerry Lee Lewis. Uma cultura musical que invadiu o mundo, nos invadiu, para o bem e para o mal.

Mas como eu gosto de ficar com a parte boa, posso dizer que o longa tem drama, romance, humor e música. Muita música. Boa música, se for a sua onda. 

E sempre vale a pena dar uma segunda chance para as coisas. E isso vale para filmes, livros, obras de arte, música. E claro, pessoas.




TUTORIAL PARA APROVEITAR (MUITO) O GOOGLE CULTURAL INSTITUTE

Eu amo demais. Criado em 2011, a plataforma do Google Art Project é dessas coisas que fazem a gente agradecer muito estarmos vivendo essa Era, em que o limite para que as informações e conteúdos cheguem até nós parece não ter fronteiras. E aqui estou falando de conteúdo cultural, conteúdo de Arte e História de mais de 50 países mapeados pela plataforma e disponíveis lindamente ao alcance de um clique aqui e outro acolá. E nesse cliques você "entra" dentro desses museus e institutos, faz passeios virtuais incríveis, observa obras de arte em seus mínimos detalhes e ganha um banho de muito conhecimento.

Sim, eu sei, não é a mesma coisa que estar ao vivo e em cores. E não é para ser igual e nem para substituir. Cada coisa no seu lugar. É uma ferramenta a mais, é mais uma possibilidade que se apresenta para nós. Hoje em dia, quase todos os principais museus do mundo possuem ferramentas em seus próprio sites, para que eu e você possamos nos apropriar ainda mais de seus acervos. E convenhamos, eu não sei você, mas as possibilidades que eu consiga ter vida e grana para visitar todos os milhares de espaços culturais e ver todas as obras de arte que meu corpo e coração anseia frente à frente é um pouco remota. Então o Google Cultural Institute se apresenta como uma tremenda mão na roda. E pode ser usado de múltiplas maneiras, como recurso para uma aula de Arte ou História, como fonte de estudos, ou simplesmente como pura diversão.

Posto isto e com o perdão do trocadilho, mãos à obra! Vou apresentar para vocês as principais ferramentas que a plataforma disponibiliza.

Primeiro vamos acessar :

Google Cultural Institute (já coloca nos seus Favoritos!)

Assim que você acessar a página, ela vai te convidar para você fazer um passeio para conhecer as ferramentas ou assistir o vídeo de apresentação. Faça os dois para entrar no clima.


Essa é a visão que você vai ter quando clicar em "faça um passeio". A plataforma é muito simples de mexer, tem um visual bacana e intuitivo. Quando lançou estava só disponível em inglês, hoje pelo menos as guias estão em português.


Quando você clicar em "Começar a explorar" (no meio da imagem acima) vai abrir essa outra tela. Clicando na seta à esquerda uma guia vai surgir. E teremos todas essas opções que estão aparecendo na imagem abaixo, guia à esquerda. São conteúdos que já estão separados por temas.





O World Wonders é bem legal. Dá para visitar algumas ditas Maravilhas do Mundo, como por exemplo, as ruínas de Pompéia, que eu separei na imagem abaixo. Vai funcionar exatamente como no Street View, vai clicando e passeando.



Outro conteúdo muito interessante é o Street Art, que você vai localizar naquela mesma primeira guia. Dá para navegar por exposições de arte de rua de diversos países, e conhecer o trabalho de alguns dos coletivos mais interessantes de grafite ao redor desse nosso mundão. Entre com calma em cada uma das opções que essa guia principal oferece e explore!

E para explorar, vou contar para vocês quais são os meus recursos preferidos. Primeiro é importante saber que na caixa de diálogo pesquisar você pode inserir tanto o nome de algum artista em específico, como o nome de um museu. Digamos que tenhamos colocado Van Gogh.


Pronto. Vai aparecer todas as obras disponíveis desse artista no Google Cultural Institute.Você pode clicar em qualquer uma.  Eu cliquei em um auto-retrato e nessa imagem abaixo estou usando um recurso que eu adoro, que é o de observar detalhes da obra em alta definição. É muito simples. Sempre que você clicar na obra, essa caixinha menor, à esquerda, vai aparecer. Basta ir movendo com o mouse na área você quer observar e clicar na setinha de + para a imagem ir aumentando. E bingo! As pinceladas do nosso holandês aparecem nítidas diante de nós.


Mais um exemplo, agora com Caravaggio. Que olho!


Vamos observar que para cada imagem, tem algumas informações. Em nosso exemplo, o nome da obra (Medusa), o ano de sua produção (1595-1598) e alguns símbolos. Vamos falar de cada um.

O símbolo amarelinho é a porta para muita diversão e você já deve conhecer ele do Street View. Não à toa, o Art Project é conhecido popularmente como o StreetView dos museus. Clicando nele, vai aparecer a nossa Medusa em sua casa atual, que é a Galeria Uffizi. Aí de lá você pode continuar passeando pelos corredores da Uffizi e ver quais são as companhias de parede que ela tem.

Esse é o símbolo para comparar. Clicando nele você pode comparar essa obra com qualquer outra, basta clicar de novo no símbolo. Aqui embaixo estou fazendo uma comparação com dois Caravaggios e dei um zoom nos narizes. Para excluir a comparação atual e fazer outra é só clicar no X, que fica dentro do quadradinho menor, na barra inferior.


E podemos ter também nossa própria galeria, oba! E mais de uma, várias! Só clicar nesse símbolo de + que você salva a obra que vai direto para sua galeria, algo como uma espécie de Favoritos. Para isso você já vai ter que estar logado com a sua conta do Google. Para tudo o que eu já escrevi aqui antes, não precisa estar logado e nem ter conta no Google, ok? Só se você quiser montar sua própria galeria.

E para concluir, a imagem abaixo é a do museu que eu mais amo passear virtualmente: O Museé D'Orsay, em Paris.

Espero que eu tenha ajudado em alguma coisa. Bons conhecimentos e boa diversão para você!



É EMBU, É DAS ARTES.

Eu não conhecia a cidade de Embu das Artes até ano passado. De lá para cá eu já fui três vezes. A primeira foi por indicação do meu pai, que também não tinha ido, mas achou que podia dar um caldo bom. E não é que deu? Fui com eles, pai e mãe, num mês de maio, bem o mês em que a cidade comemora a Festa de Santa Cruz, uma celebração bem tradicional que tem suas origens bem lá atrás, no período dos jesuítas. Nessa festa tem danças típicas, comes e bebes, muita moda de viola (acho lindo) e muita religiosidade. E o levantamento do mastro, onde cada um pode fazer o seu pedido (mas tem que ajudar a socar o mastro na terra, para valer!).
Festa de Santa Cruz. (arquivo pessoal)

E que mais que Embu das Artes tem além do nome que já sugere tudo? História. Mais precisamente o período em que os jesuítas estiveram por aqui "catequizando" os nossos índios guaranis. Ok, essa não é exatamente a parte da nossa História que a gente se orgulha de mostrar para os outros, Mas sempre bom se adentrar. E no caso estamos nos adentrando no Museu de Arte Sacra dos Jesuítas, outrora local onde os padres viviam, e que inclui a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. O acervo tem muitas imagens de roca (aquelas imagens ocas por dentro, cobertas por tecidos e muitas delas com cabelo humano). Mas o grande destaque é
Festa de Santa Cruz (arquivo pessoal)
o "Senhor Morto", uma peça esculpida em uma única tora de madeira, em tamanho real. Na primeira vez que visitei o Museu essa peça ficava em uma das salas. Na visita mais recente estava na Capela do Rosário, onde um funcionário do museu me informou que era o local original.
Museu de Arte Sacra (arquivo pessoal)

Para não ficar só na famosa feirinha de artes, que existe há quarenta e seis anos, eu sugiro uma visita em pelo menos esses dois centros culturais: o Museu já citado em cima e o Centro Cultural Mestre Assis de Embu. Nesse último dá para entender melhor como foi que nasceu as Artes depois do nome Embu. Fica tudo pertinho um do outro.



Fachada (arquivo pessoal)
Agora o que realmente me fez gostar de Embu das Artes foi o colorido. As cores das lojinhas fofas, os artesanatos mil dispostos nas barraquinhas. Para os meus humildes bolsos é tudo um pouco caro, mas eu gosto de gastar com os olhos, e o artesão tem que valorizar o seu trabalho. Tem muvuca? Tem sim senhor! De domingo então, aguenta coração. E pés, e pernas. Mas um sorvetinho pode resolver, ou um gole de vinho artesanal nos dois alambiques mais próximos das barracas. Esses sim de preço camarada.
Fachada (arquivo pessoal)
Dentro para fora II (arquivo pessoal)

Dentro para fora I (arquivo pessoal)



















E para sair da muvuca de vez, um pulo no Parque do Lago Francisco Rizzo. Que tem o quê? Um lago! E verde, e céu. Tá bom né? Da até para ir a pé partindo do centro, mas é uma caminhada boa. Melhor pegar o bondinho turístico que sai da praça e passa por lá.
Parque do Lago (arquivo pessoal)

E a cereja para quem está em São Paulo ou Grande São Paulo é que a cidade de Embu das Artes é bem perto de nós. Sabe aqueles dias que a gente quer sair, mas não quer ir assim tão longe? Pois então, quando surgir esse querer, considere Embu das Artes. Ou considere sempre, se você já for habituè.






ARTE E CONCEITO - CONCEITO É ARTE?

Ano passado, para uma atividade da faculdade, tive que formular um conceito para uma obra de arte conceitual. 

Honestamente a arte conceitual ainda não me pegou. Como estudante de arte me vejo obrigada a subtrair pré-conceitos e adentrar-me com carinho no tema, ampliando o olhar, aliás soa uma lindeza falar assim não é mesmo? Mas aqui entre nós eu gosto mesmo é quando o Gullar diz que  "ninguém me convenceria de que pôr urubus numa gaiola é fazer arte" .

Não vou dizer que não me interessei por algumas coisas do Waltercio Caldas, para ficar num exemplo brasileiro. Mas ainda estou bem longe de reverenciar Joseph Kosuth, e seu "Uma três cadeiras", por exemplo. Corro o risco de comer o pão que Marcel Duchamp amassou dizendo uma coisa dessas, eu sei. Mas ainda estou engatinhando, tenho muito a aprender, dêem-me algum desconto.

E também tenho um arte conceitual para chamar de minha, ora bolas. E foi ela que apresentei para minha atividade. 

Cabelos.

(algum leitor da minha antiga Esquina deve estar dizendo: repaginou o blog e os cabelos continuam os mesmos, lá vem ela com aquela história!)

Sim, lá vem eu com aquela história. O conceito do cabelo como representação da passagem do tempo, extraída diretamente daquele meu texto que vou reproduzir aqui sem dó nem piedade dos que já leram outras vezes:

“Meus cabelos cresceram. Senti os dias deslizando pelas suas pontas. Algumas horas esconderam-se dentro do meu virgem castanho-escuro, receosas de seguir em frente. Um par de minutos embaraçou-se em alguns fios, encabulado. Mais de um segundo encontrou porto-seguro lá no alto, de onde a vista é mais bela. Mas o tempo mandou seguir em frente e todos eles, horas, minutos e segundos escorreram pelos meus fios. Vou fazer uma trança com o tempo que passou, antes de cortar da memória as horas que dançaram nos meus cabelos” (publicado  em Julho de 2011, no próprio blog).

Lembranças
Fios de cabelo sobre papel
2013
Mônica Pinheiro Lima Franco